Cumprindo com a função de informar os cidadãos sobre seus direitos, nesta seção o TeuAdvogado apresenta artigos sobre temas atuais e de interesse comum.

De uma forma objetiva e esclarecedora você poderá saber, nas palavras do TeuAdvogado e de seus seletos convidados, um pouco mais sobre a realidade das coisas que acontecem em nosso país.

 
   
A Lei que discrimina
  Paulo Renato Lima de Magalhães Filho
Advogado
Porto Alegre - RS

Tenho acompanhado a polêmica acerca das cotas reservadas aos negros e pardos nas universidades e, depois de tanta discussão noticiada na imprensa, não há como deixar de refletir um pouco sobre o assunto. Desde logo, para que o leitor tenha ciência de meu posicionamento, informo que sou contrário, por todos motivos que me levaram a escrever este artigo, a esta reserva de vagas. Pelo menos da forma que está sendo conduzida.

A Constituição Federal de 1.988 trouxe aos brasileiros avançados direitos, alguns dos quais a população sequer tem conhecimento, mesmo depois de quase 14 anos de sua promulgação. O artigo quinto, referência sobre os direitos e deveres do cidadão, ensina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O dispositivo em comento trouxe imensurável evolução no que se refere ao controle da discriminação racial, sendo aplicado em reiteradas decisões judiciais no sentido de favorecer aquele que tenha sofrido algum tipo de segregação. E a insistência legal se fez necessária diante da realidade fática vivida em nosso país, sendo preciso legislar-se para obrigar-nos àquilo que já sabemos (ou deveríamos saber): somos todos iguais, independente de cor, religião ou filosofia política.

Neste passo, a previsão legal de reserva de vagas elaborada no Rio de Janeiro – aplaudida por uns e abominada por outros – não guarda consonância com a Carta Política de 1.988, estando em absoluto confronto com a Lei Máxima de nosso país, sobre a qual nenhum outro dispositivo pode prevalecer. E, sendo contrária à Magna Carta, a polêmica ordem legal não merece ser mantida no ordenamento jurídico, sob pena de estender direitos que não são contemplados pelo sistema. Ao mesmo tempo em que supostamente está se concedendo um direito a alguns, outros são prejudicados ilegalmente, na medida em que a legislação, repita-se, não encontra respaldo na ordem constitucional.

Mas a objeção a esta iniciativa de legalizar-se a discriminação – e nenhuma definição pode ser melhor quando alguns são preteridos em favor de outros – não se limita à análise legal do dispositivo. O conteúdo da Lei, por si só, já a condena, pois absolutamente injusto e descabido. Perceba-se que a Lei separa brancos e negros na classificação do exame vestibular, favorecendo-se estes últimos, que competem com uma densidade de candidatos por vaga muito menor. Para tanto, basta analisar-se os resultados, nos quais o primeiro classificado nas vagas concedidas pela Lei possui média de acertos bastante inferior que o último colocado da classificação comum. Ou seja, a Lei, além de discriminar os candidatos pela segregação racial, favorece cidadãos que, iguais aos outros, podem agora ingressar na Universidade com conhecimento inferior ao dos demais.

É importante que se estabeleça a diferença entre criar-se cotas para negros e pardos em concursos públicos e fazer-se esta ressalva, por exemplo, para contratação direta a um emprego privado. Isto porque quando os concorrentes precisam submeter-se a avaliação de conhecimentos, a exemplo do concurso vestibular, merece ser vitorioso simplesmente aquele que está mais bem preparado, conquistando a vaga por seus méritos. Contudo, quando uma empresa oferece vagas de emprego, oportunidade em que a seleção depende, além da capacidade dos candidatos, da escolha pessoal do empregador, é crucial que se opere esta reserva de vagas, na medida que o melhor candidato poderá ser desclassificado simplesmente por questão de discriminação racial. Perceba-se que, enquanto em concurso vestibular a vaga é garantida tão somente pela qualidade do candidato, na procura de um emprego os melhores conhecimentos talvez não sejam suficientes, sendo que a discriminação racial pode ser decisiva na escolha. Daí a grande diferença entre uma situação e outra.

A maior justificativa na qual se baseiam aqueles que protegem a ordem legal do Rio de Janeiro é de que os negros e pardos são menos favorecidos economicamente e, diante disso, têm restrições em sua educação, passando por escolas com menor qualidade de ensino, razão pela qual merecem a reserva de vagas. Ora, se o cerne da questão é a insuficiência econômica, que dá espaço para educação mais singela, porque não se cotizar as vagas para aqueles que provarem esta incapacidade financeira. A Uergs – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – por exemplo, classifica os candidatos ao seu concurso vestibular de acordo com sua condição econômica, sendo necessário, para tanto, que o aluno faça prova de sua situação financeira.

Por todas estas razões que reitero minha posição contrária à maneira como está sendo conduzida a tão polêmica reserva de vagas no Rio de Janeiro. Entendo que, em síntese, a Lei é formalmente ilegal, porquanto contrária à Constituição Federal. Mais ainda, seu objetivo, conforme demonstrado, não é cumprido, na medida em que a reserva de vagas não se presta a beneficiar aqueles que definitivamente a merecem, quais sejam, pessoas insuficientes economicamente (a idéia legal de que negros são mais pobres que brancos é, outra vez, legislar-se com base no mais putrefato racismo). Acredito que é necessária, sim, a criação de lei que estabeleça a cotização em empresas para a contratação de seus funcionários e, claro, também em todas as outras seleções que envolvam critérios pessoais, e não somente os conhecimentos avaliados na prestação de provas. Por derradeiro, fundamental que a guarda de vagas nas universidades seja estabelecida com base em outros critérios, que definam com exatidão aqueles que são merecedores de tal beneficio, não mais se favorecendo quem não deve ser alcançado pelo beneplácito legal.

 
   
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